domingo, 13 de junho de 2010

A Filosofia entre a Religião e a Ciência (Parte III)

fA coesão social e a liberdade individual, como a religião e a ciência, acham-se num estado de conflito ou difícil compromisso durante todo este período. Na Grécia, a coesão social era assegurada pela lealdade ao Estado-Cidade; o próprio Aristóteles, embora, em sua época, Alexandre estivesse tornando obsoleto o Estado-Cidade, não conseguia ver mérito algum em qualquer outro tipo de comunidade. Variava grandemente o grau em que a liberdade individual cedia ante seus deveres para com a Cidade. Em Esparta, o indivíduo tinha tão pouca liberdade como na Alemanha ou na Rússia modernas; em Atenas, apesar de perseguições ocasionais, os cidadãos desfrutaram, em seu melhor período, de extraordinária liberdade quanto a restrições impostas pelo Estado. 0 pensamento grego, até Aristóteles, é dominado por uma devoção religiosa e patriótica á Cidade; seus sistemas éticos são adaptados às vidas dos cidadãos e contêm grande elemento político.

Quando os gregos se submeteram, primeiro aos macedônios e, depois, aos romanos, as concepções válidas em seus dias de independência não eram mais aplicáveis. Isto produziu, por um lado, uma perda de vigor, devido ao rompimento com as tradições e, por outro lado, uma ética mais individual e menos social. Os estóicos consideravam a vida virtuosa mais como uma relação da alma com Deus do que como uma relação do cidadão com o Estado. Prepararam, dessa forma, o caminho para o Cristianismo, que, como o estoicismo, era, originalmente, apolítico, já que, durante os seus três primeiros séculos, seus adeptos não tinham influência no governo. A coesão social, durante os seis séculos e meio que vão de Alexandre a Constantino, foi assegurada, não pela filosofia nem pelas antigas fidelidades, mas pela força - primeiro a força dos exércitos e, depois, a da administração civil. Os exércitos romanos, as estradas romanas, a lei romana e os funcionários romanos, primeiro criaram e depois preservaram um poderoso Estado centralizado. Nada se pode atribuir à filosofia romana, já que esta não existia.

Durante esse longo período, as idéias gregas herdadas da época da liberdade sofreram um processo gradual de transformação. Algumas das velhas idéias, principalmente aquelas que deveríamos encarar como especificamente religiosas, adquiriram uma importância relativa; outras, mais racionalistas, foram abandonadas, pois não mais se ajustavam ao espírito da época. Desse modo, os pagãos posteriores foram se adaptando á tradição grega, até esta poder incorporar-se na doutrina cristã.

O Cristianismo popularizou uma idéia importante, já implícita nos ensinamentos dos estóicos, mas estranha ao espírito geral da antigüidade, isto é... a idéia de que o dever do homem para com Deus é mais imperativo do que o seu dever para com o Estado. A opinião de que "devemos obedecer mais a Deus que ao homem", como Sócrates e os Apóstolos afirmavam, sobreviveu à "conversão" de Constantino, porque os primeiros cristãos eram arianos ou se sentiam inclinados para o arianismo. Quando os imperadores se tornaram ortodoxos, foi ela suspensa temporariamente. Durante o Império Bizantino, permaneceu latente, bem como no Império Russo subseqüente, o qual derivou do Cristianismo de Constantinopla. Mas no Ocidente, onde os imperadores católicos foram quase imediatamente substituídos (exceto em certas partes da Gália) por conquistadores bárbaros heréticos, a superioridade da lealdade religiosa sobre a lealdade política sobreviveu e, até certo ponto, persiste ainda hoje,

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